domingo, 7 de abril de 2013


Ação penal privada:
O titular é o ofendido ou o seu representante legal.
Sempre que no código penal, descrever “mediante queixa”.
Na ação penal pública o MP faz sua denuncia, na ação de iniciativa privada faz-se a queixa.

Existem 3 espécies de A. privada :
a) Ação penal exclusivamente privada, ou propriamente dita– 
É a regra geral, o ofendido tem o prazo de 6 meses para apresentar a queixa a contar do conhecimento da AUTORIA, e não do crime. Não podemos ignorar o fato que é prazo penal, ou seja, inclui o dia do crime e exclui o último dia.
Caso a vítima venha a falecer outras pessoas podem oferecer a denuncia, mas apenas o CADI,  a sigla apenas é para lembrar de C= cônjuge, A=ascendente, D=descendente e I=irmão.

b) Ação penal privada personalíssima – não há sucessão processual, ou seja caso o ofendido venha falecer ocorrerá a extinção da punibilidade, visto que nem mesmo o CADI poderá apresentar a queixa nesse caso. Atualmente a única possibilidade é o art. 236, CP.
É importante lembrar que até mesmo no caso da incapacidade do ofendido, a queixa não poderá ser oferecida pelo representante, curador ou tutor.
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c) Ação penal privada subsidiária da pública – só é cabível em face da inércia do MP. O titular será o particular que a intentou e não o MP, que apenas poderá retomar a titularidade da ação penal caso o querelante subsidiário venha a negligenciar no impulso do processo. O prazo para apresentar a subsidiária também é de 6 meses, neste caso conta-se da inércia do MP.

14.2 Princípios da ação penal privada
a) Princípio do “ne procedat iudex ex officio” – com a adoção do sistema acusatório, ao juiz não é dado iniciar a ação ou processo de ofício.
b) Princípio do “ne bis in idem” – ninguém pode ser processado duas vezes pela mesma imputação.
c) Princípio da intranscendência – a ação penal não pode passar da pessoa do autor do delito.
d) Princípio da oportunidade ou conveniência – o ofendido apresenta a queixa se ele quiser.
e) Princípio da disponibilidade – a ação penal privada é disponível, depois de ter ingressado com a queixa-crime: a) perdão do ofendido (depende de aceitação); b) perempção; c) desistência da ação (também depende de aceitação). Ou seja, o ofendido poderá desistir da ação.
f) Princípio da indivisibilidade –
se o crime foi cometido por mais de uma pessoa, o ofendido precisa OBRIGATÓRIAMENTE apresenta a queixa contra todos. Ou processa todos ou não processa ninguém. Cabe ao MP fiscalizar isso.
Caso venha a ocorrer a renúncia e perdão um dos coautores estende-se aos demais.

15.6 Retratação da representação (art. 25, CPP)
A retratação é possível até o oferecimento (e não recebimento) da peça acusatória.
·          Art. 16, Lei 11.340/2006: quando o art. 16 usa a expressão “renúncia”, o faz de maneira equivocada, pois está-se diante de uma retratação, que é possível até orecebimento da denúncia.
15.7 Retratação da retratação da representação
Pode-se dizer que é uma nova representação. Essa retratação da retratação é possível, desde que dentro do prazo decadencial.
15.8 Eficácia objetiva da representação
A representação não se dá em relação a este ou àquele autor do delito, mas se refere ao fato praticado. Assim, perpetrado em concurso de agentes, determinado crime de ação pública condicionada, ainda que oferecida representação nominal apenas em relação a um dos autores, aos outros se estenderão seus efeitos, legitimando o MP a ingressar com ação penal contra todos.
Assim, feita a representação contra apenas um dos coautores, esta se estende aos demais; por outro lado, feita a representação em relação a um fato delituoso, esta não se estende aos demais delitos. (STJ, HC 57.200[8])
Pode o MP denunciar apenas alguns dos indivíduos nominados na representação, pois nada impede que o promotor entenda existirem indícios de autoria apenas em relação a alguns dos representados, ajuizando em relação a eles a ação penal e postulando o arquivamento da representação ou do IP quanto aos demais.
Ainda, a representação não vincula o MP que, se considerar que a hipótese não autoriza o oferecimento da denúncia e tampouco há diligências a serem realizadas, não lhe será lícito, simplesmente, arquivá-la internamente à Promotoria de Justiça. Incumbe-lhe, independentemente de ter sido ou não requisitada a instauração de IP, deduzir em juízo o competente pedido de arquivamento, para fins de homologação. Discordando dessa posição ministerial, deverá o juiz aplicar o art. 28, CPP.

17.1 Poderes do Ministério Público
a) Repudiar a queixa, oferecendo denúncia substitutiva. A queixa pode estar perfeita e mesmo assim o MP pode repudiar. Se o MP repudia a queixa, está obrigado a oferecer denúncia, não podendo pedir o arquivamento. Norberto Avena entende que o repúdio deverá estar fundamentado na arguição de inépcia da inicial privada.
b) Aditar a queixa, tanto em seus aspectos formais quanto materiais. O MP pode aditar a queixa para incluir circunstâncias de tempo, de lugar, como também para incluir coautores, diferentemente do que ocorre na ação penal privada, em que não pode aditar para incluir coautor.
c) Se o querelante for negligente, o MP reassume o polo ativo da ação penal.Ação penal indireta (art. 29, CPP).
17.2 Prazo da queixa subsidiária
A vítima tem 06 meses para oferecer queixa subsidiária após findar o prazo para oferecimento da denúncia pelo MP. Trata-se de prazo decadencial; chamada decadência imprópria, porque a vítima perde o direito de propor a queixa subsidiária, mas, como a ação penal é pública, isso não vai produzir a extinção da punibilidade. O MP, desde que dentro do prazo prescricional, continua podendo oferecer denúnci

19 RENÚNCIA AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE QUEIXA E PERDÃO DO OFENDIDO
19.1 Renúncia (arts. 49 e 50, CPP)
Caracteriza-se como ato impeditivo do processo criminal.
A corrente majoritária entende que a renúncia pode externar-se em oportunidade posterior ao ajuizamento da inicial, desde que antes do recebimento da queixa pelo juízo, pois não se tem, neste caso, processo criminal regularmente instaurado.
A renúncia é ato unilateral, pois independe da aceitação do autor do crime para que produza efeitos. Como decorrência do princípio da indivisibilidade da ação penal privada, se o ofendido renunciar ao exercício da ação penal contra qualquer dos ofensores, todos os demais serão alcançados pela extinção da punibilidade.
Quanto à forma, a renúncia pode ser expressa ou tácita. Será tácita quando o ofendido: a) deixar escoar o prazo decadencial sem ajuizar a queixa-crime; b) sendo instado a aditar a inicial para a inclusão de coautores ou partícipes, mantém-se inerte; c) realiza a composição dos danos cíveis da infração penal com o autor do fato no âmbito dos juizados especiais criminais mediante acordo judicialmente homologado (art. 74, Lei 9.099/95); d) promove atos, fatos e circunstâncias que revelem a ausência de seu interesse em promover a responsabilização penal do ofensor.
Se, embora operada a renúncia tácita, ainda assim insistir o ofendido em promover a queixa-crime, o art. 57, CPP, faculta ao querelado utilizar todos os meios de prova lícitos e legítimos que se fizerem necessários para comprovar a ocorrência da renúncia tácita de parte do querelante.
19.2 Perdão do ofendido (arts. 51 a 59, CPP)
Trata-se de ato extintivo do processo criminal.
Ocorre depois do recebimento da ação penal privada exclusiva. Equivale à desistência da ação e, ao contrário da renúncia, caracteriza-se pela bilateralidade, já que exige aceitação (mesmo tácita) do querelado, a qual poderá ser realizada por meio de procurador com poderes especiais, advogado ou não. Pode ser concedido a qualquer tempo, desde que antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 106, §2º, CP).
Como consequência do princípio da indivisibilidade da ação penal privada, o perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, não produzindo efeitos apenas àquele que o recusar.
Assim como a renúncia, o perdão pode ser expresso ou tácito.
Havendo mais de um querelante, o perdão concedido por um deles não produz qualquer reflexo no processo em relação aos autores remanescentes. A hipótese diverge daquela em que há mais de um querelado, caso em que o perdão concedido a um deles a todos aproveita.
20 PEREMPÇÃO DA AÇÃO PENAL PRIVADA (art. 60, CPP)
É a perda do direito de prosseguir na ação privada, ou seja, a sanção jurídica cominada ao querelante em decorrência de sua inércia ou negligência.
É instituto próprio da ação penal privada exclusiva, não se aplicando, portanto, à ação penal privada subsidiária da pública. Uma vez reconhecida, implica a extinção da punibilidade do querelado.
A perempção impede que, pelo mesmo fato, nova queixa seja oferecida pela vítima ou seu representante legal, ainda que não escoado o prazo decadencial para apuração do crime objeto da ação perempta.
20.1 Hipóteses de perempção:
a) Inércia do querelante, deixando de promover, injustificadamente, o andamento da ação penal durante 30 dias consecutivos – embora a lei não seja expressa, é preciso que esse atraso na movimentação do processo ocorra injustificadamente, pois se houver motivo plausível para o não andamento da ação penal no prazo referido no art. 60, I, CPP, evidentemente, não se poderá punir o querelante com a extinção de sua ação.
A perempção alicerçada nessa hipótese poderá ser reconhecida quando, a par da intimação do advogado, for também intimado pessoalmente o querelante para promover o andamento do feito, quedando-se ambos inertes.
b) Falecimento ou incapacidade do querelante, deixando de promover o seguimento do processo qualquer das pessoas enumeradas no art. 31, CPP, pelo período de 60 dias – trata-se de prazo que fui automaticamente a partir da morte ou da incapacidade do querelante, sendo desnecessária a notificação de seus parentes para que providenciem o andamento do feito.
c) Não comparecimento injustificado do querelante para qualquer ato do processo a que deva estar presente – questão que tem gerado dúvidas respeita ao não comparecimento do querelante para a audiência de tentativa de reconciliação, prevista no art. 520, CPP. A esse respeito, alguns entendem tratar-se de hipótese de perempção, já que o comparecimento pessoal do autor da ação privada é indispensável para que possa o magistrado buscar conciliá-lo com o acusado. Já para outros, tal ausência não pode importar em perempção pelo fato de ainda não existir processo regularmente instaurado, já que a audiência de tentativa de conciliação deve ocorrer antes do recebimento da queixa pelo juiz, sendo que o processo terá completada sua formação apenas com a citação válida. Assim, para esta última corrente, o não comparecimento do querelante à solenidade de conciliação apenas significa que não possui ele interesse na conciliação, devendo o magistrado proceder, então, ao recebimento da queixa-crime ajuizada e demais fases do procedimento. Essa é a posição do STJ.
d) Ausência do pedido de condenação em alegações finais – é certo que ocorrerá a perempção se o querelante, ao apresentá-la, não requerer a condenação do acusado, limitando-se, por exemplo, a um simples pedido de justiça. Porém, é preciso ter bom senso, pois se nos memoriais escritos ou no curso das alegações orais insistiu o querelante na existência de responsabilidade penal do querelado, examinando com afinco a prova coligida e demonstrando ao juiz a presença de elementos suficientes para condenado o réu, não será simplesmente o fato de não ter sido mencionado na parte final da peça ou da exposição oral o pedido de condenação que poderá caracterizar a perempção da ação penal privada. Todavia, o tema não é pacífico.
Tratando-se de processo criminal em que dois ou mais crimes estejam sendo apurados, o pedido de condenação apenas no tocante a um ou alguns importará em perempção da ação penal em relação aos remanescentes.


 CONCEITO
1. Jurisdição é função atribuída a terceiro imparcial (…). É essencial que a jurisdição seja exercida por alguém estranho ao problema posto para ser resolvido. Mas não basta ser estranho, é preciso que esse terceiro seja imparcial, ou seja, que ele não tenha interesse no processo. A imparcialidade é um atributo de alguém que não tenha interesse na causa; já o atributo de ser terceiro é chamado de impartialidade. Assim, a impartialidade é a condição de ser terceiro/estranho; imparcialidade é a condição de ser desinteressado.
Ainda, a imparcialidade não pode ser confundida com neutralidade. Esta diz respeito a uma qualidade de não reconhecer nenhum tipo de valor às coisas, ser indiferente. Contudo, nenhum juiz é neutro; o que se espera é que, a despeito de toda a carga valorativa que carrega, trate as partes com igualdade e não tenha interesse valorativo no litígio.
A jurisdição é, então, uma espécie de heterocomposição dos conflitos. Há heterocomposição quando um conflito é decidido por um sujeito estranho ao conflito. Não se esquecer que existe heterocomposição não jurisdicional. Assim, a heterocomposição é uma característica da jurisdição, mas não é exclusiva dela.
Chiovenda dizia que a jurisdição é uma atividade substitutiva, ou seja, a vontade dos conflitantes é substituída pela vontade do órgão julgador. Durante muito tempo prevaleceu na doutrina o pensamento de Chiovenda, de que a grande marca da jurisdição é ser ela substitutiva.
Embora seja a jurisdição uma atividade substitutiva, não é isso que a caracteriza exclusivamente, já que há outras atividades também substitutivas que não são jurisdicionais.
Esse terceiro costuma ser o Estado, pois o poder jurisdicional é exercido pelo Estado. Daí que se diz ser a jurisdição monopólio do Estado. No Brasil não é bem assim, porque aqui a jurisdição é monopólio do Estado, mas o exercício dela não. Aqui admite-se a jurisdição privada, nos casos de arbitragem (jurisdição não estatal autorizada pelo Estado).
2. (…) para, mediante um processo (…). A jurisdição é o produto de uma atividade processual. No Brasil não há jurisdição instantânea. O processo é o método constitucionalmente previsto para o exercício de qualquer poder.
3. (…) reconhecer, efetivar, proteger (…). O papel da jurisdição é reconhecer, efetivar ou proteger direitos, mediante um processo. Assim, o papel do terceiro imparcial é dizer se o direito existe (conhecimento), e eventualmente efetivá-lo (execução) ou protegê-lo (cautelar).
4. (…) situações jurídicas concretamente deduzidas (…). Uma marca da jurisdição é que ela somente atua sobre problemas concretos. O juiz não pensa em abstrato.
Carnelutti diz que “a jurisdição atua sob encomenda”, posto que se pede ao juiz a solução de um problema. O legislador, por sua vez, atua sob atacado, enquanto o judiciário atua sobre um problema. Durante muito tempo se dizia que a jurisdição pressupõe uma lide afirmada; contudo, mais correto dizer que a lide é o principal problema levado ao Judiciário, posto que em algumas situações não há lide/conflito, nos casos de jurisdição voluntária. Trata-se, nesses casos, de um problema jurídico a ser resolvido. Ainda, é possível ir ao Judiciário antes de o conflito existir, como no intuito de obter uma prevenção, para evitar um futuro conflito.
5. (…) de modo imperativo e criativo (…). Jurisdição é império; quando o Juiz decide, ele não está aconselhando as partes. Ainda, o órgão jurisdicional, como intérprete dos textos jurídicos, cria ao decidir.
6. (…) em decisão insuscetível de controle externo (…). A decisão jurisdicional só pode ser controlada jurisdicionalmente. A jurisdição controla a atividade legislativa e a administrativa, mas a decisão judicial somente pode ser controlada pela própria jurisdição, de modo que a atividade legislativa ou administrativa não pode controlar a jurisdicional. Entre todos os poderes do Estado, só a jurisdição tem o atributo de ser insuscetível de controle externo.
7. (…) e com aptidão para tornar-se indiscutível pela coisa julgada material. A coisa julgada é um fenômeno exclusivo da atividade jurisdicional. Esse fenômeno faz com que as normas jurídicas individualizadas criadas pela jurisdição se tornem definitivas, insuscetíveis de controle até mesmo pela própria jurisdição, de modo que nem a própria jurisdição pode rever a decisão. É uma estabilidade do que foi decidido, estabilidade esta que é um atributo exclusivo da atividade jurisdicional.
Assim, jurisdição é função atribuída a terceiro imparcial para, mediante um processo, reconhecer, efetivar ou proteger situações jurídicas concretamente deduzidas, de modo imperativo e criativo, em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível pela coisa julgada material.
2 CRIATIVIDADE JURISDICIONAL
Os textos normativos não determinam completamente as decisões dos tribunais e somente aos tribunais cabe interpretar, testar e confirmar ou não a sua consistência. Os problemas jurídicos não podem ser resolvidos apenas com uma operação dedutiva (geral-particular). Há uma tarefa na produção jurídica que pertence exclusivamente aos tribunais: a eles cabe interpretar, construir e, ainda, distinguir os casos, para que possam formular as suas decisões, confrontando-as com o Direito vigente.
Ao se deparar com os fatos da causa, o juiz deve compreender o seu sentido, a fim de poder observar qual a lei que se lhes aplica. Identificada a lei aplicável, ela deve ser conformada à Constituição através das técnicas de interpretação conforme, de controle de constitucionalidade em sentido estrito e de balanceamento dos direitos fundamentais. Nesse sentido, o julgador cria uma norma jurídica (norma legal conformada à norma constitucional) que vai servir de fundamento jurídico para a decisão a ser tomada na parte dispositiva do pronunciamento. É nessa parte dispositiva que se contém a norma jurídica individualizada, ou simplesmente norma individual (definição da norma para o caso concreto; solução da crise de identificação).
A criatividade judicial pode, ainda, ser justificada pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, que proíbe a recusa da prestação jurisdicional, no Brasil positivado no inciso XXXV, do art. 5º. da CF. Ainda que a situação concreta não esteja prevista expressamente na legislação, caberá ao magistrado dar uma resposta ao problema, classificando-a como lícita ou ilícita, acolhendo ou negando a pretensão do demandante.
A criatividade jurisdicional pode ser identificada em dois momentos distintos:
a) O Juiz cria, ao julgar, a norma jurídica do caso concreto, que é uma norma individualizada; que vai regular a situação concreta que lhe foi submetida.
b) A atividade jurisdicional gera um precedente para a solução de casos futuros. Quando um tribunal decide um caso concreto, ele não só cria a norma que vai regular o caso concreto, como também cria uma norma geral que serve como precedente para casos futuros. Ex.: o STF decidiu que parlamentar que troca de partido durante o mandato, perde o mandato; a decisão foi criada num caso individualizado que acabou se tornando norma geral.
A atividade jurisdicional não é apenas uma atividade que cria normas para resolver casos concretos, mas é também uma atividade que, a partir de casos concretos, cria normas que servem à solução de outros casos. A diferença entre o legislativo é que a norma geral construída pelo órgão jurisdicional é construída a partir de um caso concreto.
3 EQUIVALENTES JURISDICIONAIS
São formas não jurisdicionais de solução de conflitos. São chamados de equivalentes exatamente porque, não sendo jurisdição, funcionam como técnica de tutela dos direitos, resolvendo conflitos ou certificando situações jurídicas. Todas essas formas de solução de conflitos não são definitivas, pois podem ser submetidas ao controle jurisdicional. Existem quatro equivalentes jurisdicionais:
3.1 Autotutela
Na autotutela a solução do conflito é imposta por um dos conflitantes; o conflito é resolvido pela força de um sobre o outro. Fala-se, inclusive, que a autotutela é uma forma de solução egoísta do conflito. A autotutela é, em regra, proibida, é considerada crime, pois fazer justiça com as próprias mãos é tipo penal.
Mas há hipóteses de autotutela que são lícitas, em que se reconhece ser preciso dar aos litigantes a possibilidade de um deles submeter o outro, exemplos: greve, guerra, legítima defesa, desforço incontinenti (reação à violência para proteção da posse), possibilidade do poder público de executar suas próprias decisões.
Autotutela lícita é residual e sempre poderá ser submetida ao controle jurisdicional.
3.2 Autocomposição
É uma forma de resolver conflitos em que ambos os conflitantes resolvem o conflito. A solução é dada pelos conflitantes; trata-se de uma solução negociada, produto do exercício da autonomia privada dos conflitantes.
A solução por autocomposição é estimulada.
Existe uma sigla, em inglês, ADR, que significa alternative dispute resolution, ou seja, meio alternativo de solução do conflito.
Essa autocomposição pode se dar de duas maneiras:
a) Quando as partes transigem (transação): cada uma cede um pouco para resolver o problema.
b) Quando uma parte cede integralmente (submissão): a submissão voluntária de uma parte ao desejo da outra também é autocomposição. Existe autocomposição feita em Juízo e fora dele. Se feita em Juízo, caso o autor abra mão para o réu, fala-se que houve renúncia ao direito sobre o que se funda a ação (art. 269, V, CPC); se é o réu que abre mão para o autor, fala-se que houve reconhecimento da procedência do pedido (art. 269, II, CPC).
Qualquer autocomposição extrajudicial pode ser levada à homologação do órgão jurisdicional.
3.3 Mediação
Na mediação, um terceiro (profissional qualificado) intervém no problema para auxiliar os conflitantes a chegarem a um acordo (o mediador tenta fazer com que os próprios litigantes descubram as causas do problema e tentem removê-las). Assim, a mediação é uma autocomposição assistida, gerida por uma terceira pessoa, que é o mediador. Na mediação o terceiro não decide nada, ele apenas estimula, facilita a obtenção da autocomposição.
A mediação não é exemplo de heterocomposição; não é porque tem terceiro que se trata de heterocomposição.
Existe mediação feita em Juízo e fora dele. Em Juízo é a feita pelos conciliadores (o conciliador é um mediador). Trata-se de uma das ADRs.
3.4 Solução de conflito por tribunal administrativo
Tribunais administrativos que resolvem conflitos por heterocomposição, ex.: Tribunal de Contas, Tribunal Marítimo, Tribunais de Contribuintes, CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Agências Reguladoras. Não são jurisdição porque são suscetíveis de controle externo e lhes falta coisa julgada.
A decisão de conflito por tribunal administrativo é exemplo de equivalente jurisdicional, pois, embora se trate de solução por heterocomposição dada por um sujeito imparcial diante de uma situação concreta, faltam-lhe os atributos da aptidão para a coisa julgada material e da insuscetibilidade de controle externo, indefectíveis da atividade jurisdicional.
No caso do Tribunal Marítimo, suas decisões constituem somente elemento de prova em ação judicial, com presunção relativa de certeza; assim, as decisões do Tribunal Marítimo, quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos de navegação, têm valor probatório e se presumem certas, sendo porém suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário.
Quanto ao Tribunal de Contas, trata-se de órgão auxiliar do Poder Legislativo e suas decisões que resultem a imputação de débito ou multa têm eficácia de título executivoextrajudicial (art. 71, § 3º, CF).
4 ARBITRAGEM (Lei 9.307/96)
Na arbitragem um terceiro, escolhido pelas partes conflitantes, decide o conflito. É o árbitro quem resolve o problema.
Portanto, a arbitragem é heterocomposição.
Não há qualquer vício de inconstitucionalidade na instituição da arbitragem, que não é compulsória; trata-se de opção conferida a pessoas capazes para solucionar problemas relacionados a direitos disponíveis. Não se admite arbitragem em causas penais. Ademais, a EC 45/2004 consagra a arbitragem em nível constitucional, no âmbito trabalhista (art. 114, §§ 1º e 2º, CF).
4.1 Características da arbitragem no Brasil:
3.4.1.1 Produto de um negócio jurídico: é uma opção, não existe arbitragem compulsória. O fundamento da arbitragem é a autonomia privada. O negócio jurídico é denominado de Convenção de Arbitragem.
3.4.1.2 Há a possibilidade de escolha da norma de direito material a ser aplicada (podendo ainda convencionar que o julgamento se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio).
3.4.1.3 Para ser árbitro basta ser pessoa física e capaz (ainda, os árbitros têm status de juiz de direito e de fato, sendo equiparados aos servidores públicos para efeitos penais).
3.4.1.4 Desnecessidade de homologação judicial da sentença arbitral, que produz efeitos imediatamente.
3.4.1.5 Possibilidade de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais produzidas no exterior.
Logo:
Cláusula de arbitragem em contrato de adesão é abusiva (art. 51, VII, CDC), pois não dá opção.
Arbitragem é exercício de liberdade, portanto, somente pessoas capazes podem optar pela arbitragem e, somente em relação a direitos disponíveis é possível admitir a arbitragem.
Obs.: isso não impediu que se admitisse a arbitragem envolvendo entes públicos. Arbitragem na Administração Pública é hoje uma realidade. O que se discute é a arbitragem no âmbito da tutela coletiva.
No Brasil o árbitro pode ser qualquer pessoa capaz, não precisa ter formação jurídica. Normalmente a arbitragem é feita por um colegiado (ex.: cada uma das partes escolhe um e pede para uma entidade escolher um terceiro).
O árbitro é, para todos os fins, inclusive criminais, juiz; mas somente com relação àquele processo em que atuou.
O árbitro profere uma sentença arbitral, que, como qualquer outra, tem que ser fundamentada, precedida de um processo devido; mas o árbitro pode decidir com base em equidade e até mesmo com base em direito estrangeiro.
A decisão arbitral não será homologada pelo Poder Judiciário. Não existe homologação de sentença arbitral. O Judiciário apenas executa a decisão arbitral, posto que o árbitro não tem poder para executar suas decisões. Por esse motivo, não é possível também a concessão de provimentos de urgência, que exigem atividade executiva para serem implementados.
A execução da sentença arbitral é execução de título judicial.
O Judiciário não pode controlar o mérito da decisão arbitral, que é insuscetível de controle pelo Judiciário; mas o Judiciário pode anular a decisão arbitral, caso constate alguma nulidade, como falta de fundamentação, de contraditório no processo, etc, submetendo o caso para apreciação de outro árbitro. Assim, o Judiciário pode anular a decisão arbitral, mas não pode revê-la. Essa anulação da decisão arbitral só pode se dar em até 90 dias, contados da intimação dessa decisão e por ação anulatória interposta pela parte prejudicada. Ultrapassado esse prazo, a decisão arbitral torna-se “indestrutível”. Aqui, o prazo da “rescisória” é de 90 dias, e só por questões formais, posto que não se pode pedir para rever a decisão.
Dessa forma, pode-se afirmar que há coisa julgada na arbitragem, e, diante de todas as características apresentadas, é também jurisdição, embora haja quem diga que não seja, como exemplo Marinoni, que fundamenta sua posição, dentre outros argumentos, no fato de o árbitro não poder executar suas decisões. Contudo, nesse ponto Fredie Didier Jr. explica que a impossibilidade de o árbitro executar as suas decisões é questão de incompetência funcional e não de falta de jurisdição, como ocorre com a execução penal, em que o juiz da execução não é o mesmo juiz que proferiu a sentença penal condenatória.
A arbitragem tem natureza negocial e, o negócio que gera a arbitragem é chamado deConvenção de Arbitragem.
Há duas espécies de Convenção de Arbitragem:
a) Cláusula compromissória – convenção em que as partes resolvem que as divergências oriundas de certo negócio jurídico serão resolvidas pela arbitragem, prévia e abstratamente; as partes, antes do litígio ocorrer, determinam que, ocorrendo, a sua solução, qualquer que seja ele, desde que decorra de certo negócio jurídico, dar-se-á pela arbitragem. O juiz pode conhecer de ofício cláusula compromissória. Não pode conhecer de ofício compromisso arbitral.
b) Compromisso arbitral – é o acordo de vontades para submeter uma controvérsia concreta, já existente, ao juízo arbitral, prescindindo do Poder Judiciário. Trata-se, assim, de um contrato, por meio do qual se renuncia à atividade jurisdicional estatal, relativamente a uma controvérsia específica e não simplesmente especificável.
Em regra, para efetivar a cláusula compromissória, costuma ser necessário que se faça um compromisso arbitral, que regulará o processo arbitral para a solução do conflito que surgiu. No entanto, se a cláusula compromissória for completa (contiver todos os elementos para a instauração imediata da arbitragem), não haverá necessidade de futuro compromisso arbitral. Exemplo: Acidente de trânsito: podem as partes fazer um compromisso arbitral na hora, surgido, pois, do conflito. O juiz pode conhecer de ofício cláusula compromissória. Não pode conhecer de ofício compromisso arbitral.
Arbitragem e direito público – há pouco mais de dez anos, o Brasil passou por uma grande transformação do ponto de vista do direito administrativo. E uma dessas transformações é que agora temos um Estado regulador, com agências reguladoras, com economia mais aberta, etc. E nas leis que descentralizam a atividade econômica há sempre a previsão de arbitragem envolvendo entes públicos, em alguns negócios. Em parcerias público-privadas a arbitragem é prevista. Então, não se pode pensar que a arbitragem fica restrita às questões eminentemente privadas. Mesmo no âmbito do direito público, já se falaem arbitragem. Há hoje inúmeras hipóteses de arbitragem no direito público.
Caso concreto: foi celebrada convenção de arbitragem. Surgiu um problema e um dos dois já foi para o Judiciário. Se ele demanda no Judiciário havendo convenção de arbitragem, está errado. O réu tem que alegar, em defesa, convenção de arbitragem: o Juiz não pode examinar porque há entre eles uma convenção de arbitragem. O juiz extingue o processo sem mérito. Caso o autor tenha demandado indevidamente no Judiciário, o réu se defenda, mas não alega a convenção de arbitragem. Essa não alegação também é uma manifestação de vontade que se soma à manifestação de vontade do autor que demandou no Judiciário.Se os dois aceitaram ir para o Judiciário, está revogada a cláusula compromissória. Da mesma forma que eles fizeram a cláusula, podem revogá-la depois. São livres. Ambos, livremente, descumpriram a cláusula. Se ambos descumpriram, significa que não estão mais a fim dela. Perderam a vontade. Não tem problema algum. Se o réu não alegar, haverá revogação. Da mesma forma, se o réu alegar a convenção de arbitragem e reconvir, ao reconvir, ele estará demandando no Judiciário de novo. O juiz pode entender que, ao reconvir, ele aceitou a jurisdição estatal.
Por isso que a arbitragem não é equivalente jurisdicional, porque, no Brasil, ela é jurisdição. Até 1996, aqui no Brasil, o árbitro decidia e o juiz tinha que homologar a decisão arbitral, o laudo arbitral. Agora não há mais isso. O juiz estatal não homologa a decisão arbitral, mas o juiz executa a decisão arbitral.
5 PRINCÍPIOS DA JURISDIÇÃO
5.1 Investidura
A jurisdição só será exercida por quem tenha sido regularmente investido na autoridade de juiz.
A investidura normalmente se dá por concurso, mas também pode se dar por nomeação do Presidente da República (Ministros do STF e do STJ), por nomeação do Governador do Estado e pode ser por convenção de arbitragem para aquele caso concreto. Mas a convenção de arbitragem é investidura para um caso. O árbitro só é juiz de paz ou de direito se for constituído como árbitro, não é porque fez curso de arbitragem.
5.2 Territorialidade
Os magistrados só têm autoridade nos limites territoriais do seu Estado; ou seja, nos limites do território de sua jurisdição.
O CPC mitigou o princípio da territorialidade da jurisdição em duas hipóteses:
No art. 107 o legislador diz que se o imóvel disputado estiver localizado em mais de uma comarca, a competência do juízo que conhecer da causa se estenderá sobre todo o imóvel, mesmo em relação àquela parte que extrapola os limites territoriais da sua jurisdição.
No art. 230, permite-se a prática de atos de simples comunicação processual (citação e intimação) em comarcas contíguas (limítrofes) ou da mesma região metropolitana, independentemente de carta precatória.
É importante não confundir a territorialidade da jurisdição (onde a decisão deve ser proferida) com o lugar onde a decisão irá produzir efeitos.
5.3 Indelegabilidade
Não pode o órgão jurisdicional delegar funções a outro sujeito. Essa vedação se aplica integralmente no caso do poder decisório: não é possível delegar o poder decisório a outro órgão, o que implicaria derrogação de regra de competência, em violação à garantia do juiz natural. Há, porém, hipóteses em que se autoriza a delegação de outros poderes judiciais, como o poder instrutório, o poder diretivo do processo e o poder de execução das decisões. Ex.: cartas de ordem.
Assim é que permite-se ao STF delegar atribuições para a prática dos atos processuais relacionados à execução dos seus julgados (art. 102, I, “m”, CF). Essa delegação deve ser feita a juízes de primeira instância e somente pode dizer respeito à prática de atos executivos, jamais decisórios.
Ainda, o art. 93, IV, CF, expressamente permite a delegação, a serventuário da justiça, do poder de praticar atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório. O CPC também tem essa previsão, art. 162, § 4º.
Rigorosamente, indelegável, é apenas o poder decisório.
5.4 Inevitabilidade
A situação de ambas as partes perante o Estado-juiz é de sujeição, que independe de sua vontade e consiste na impossibilidade de evitar que sobre elas e sobre sua esfera de direitos se exerça a autoridade estatal.
5.5 Direito fundamental à inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário
Art. 5º, XXXV, CF: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Esse princípio não se dirige apenas ao Legislativo (impedido de suprimir ou restringir o direito à apreciação jurisdicional), mas também a todos quantos desejam assim proceder, pois, se a lei não pode, nenhum ato ou autoridade de menor hierarquia poderá excluir algo da apreciação do Poder Judiciário.
Também não há exigência de esgotamento de outras instâncias, administrativas ou não, para que se busque a tutela jurisdicional. Quando assim o deseja, a própria Constituição impõe este requisito. A única imposição de esgotamento de vias extrajudiciais hoje existente é em relação às questões desportivas (art. 217, § 7º, CF).
5.6 Juiz natural
Trata-se de garantia fundamental não prevista expressamente, mas que resulta da conjugação de dois dispositivos constitucionais: o que proíbe juízo ou tribunal de exceção e o que determina que ninguém será processado senão pela autoridade competente (incisos XXXVII e LIII, art. 5º, CF).
O juiz natural, nas palavras de Ferrajoli, significa três coisas diferentes, ainda que em si conexas: a necessidade de que o juiz seja pré-constituído pela lei e não constituído post factum; a impossibilidade de derrogação e a indisponibilidade das competências; a proibição de juízes extraordinários e especiais.
O exame do direito fundamental ao juiz natural tem um aspecto objetivo, formal, e um aspecto substantivo, material.
Formalmente, juiz natural é o juiz competente de acordo com as regras gerais e abstratas previamente estabelecidas. Não é possível a determinação de um juízo post facto ou ad personam. A determinação do juízo competente para a causa deve ser feita por critérios pessoais, objetivos e pré-estabelecidos. Tribunal de exceção é aquele designado ou criado, por deliberação legislativa ou não, para julgar determinado caso. Os juízes de exceção sãoad hoc e estão vedados pela Constituição Federal.
Substancialmente, a garantia do juiz natural consiste na exigência da imparcialidade e da independência dos magistrados. Não basta o juízo competente, objetivamente capaz, é necessário que seja imparcial, subjetivamente capaz.
As regras de distribuição servem exatamente para fazer valer a garantia do juiz natural: estabelecem-se critérios prévios, objetivos, gerais e aleatórios para a identificação do juízo que será o responsável pela causa. É por isso que o desrespeito às regras da distribuição por dependência implica incompetência absoluta.
Proíbem-se, portanto, o poder de comissão (criação de juízos extraordinários) e o poder de avocação (alteração das regras predeterminadas de competência).
Contudo, não viola o princípio do juiz natural a criação de varas especializadas, as regras de competência determinada por prerrogativa de função, a instituição das Câmaras de Férias em tribunais, porque em todas essas situações as regras são gerais, abstratas e impessoais.
Fala-se em princípio do promotor natural, já que a Constituição refere-se a “autoridade competente”. Contudo, segundo Fredie Diddier Jr., a garantia do juiz natural se espraia, inclusive, para o âmbito administrativo: a) em tribunais administrativos, os juízes devem ser determinados com a observância dos critérios apontados; b) em repartições administrativas, as autoridades responsáveis pela decisão de requerimentos também devem ser designadas por critérios objetivos e impessoais.
6 JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
A jurisdição voluntária é uma atividade estatal de integração e fiscalização. Busca-se do Poder Judiciário a integração da vontade, para torná-la apta a produzir determinada situação jurídica. Há certos efeitos jurídicos decorrentes da vontade humana, que somente podem ser obtidos após a integração dessa vontade perante o Estado-juiz, que o faz após a fiscalização dos requisitos legais para a obtenção do resultado almejado.
Por isso, diz-se que a jurisdição voluntária não é voluntária: não há opção. Se tais atos da vida privada só podem ser exercidos por meio da jurisdição voluntária, de voluntária ela nada tem. Leonardo Greco lembra que há situações em que a parte se dirige ao Poder Judiciário para obter uma autorização/aprovação, que não era obrigatória; em outros casos, a lei apenas permite, não impõe, a intervenção judicial.
À jurisdição voluntária aplicam-se as garantias fundamentais do processo, necessárias à sobrevivência do Estado de Direito, bem como todas as garantias da magistratura, asseguradas constitucionalmente. Em relação aos poderes processuais do magistrado, a doutrina aponta duas características da jurisdição voluntária:
a) Inquisitoriedade – doutrinadores defendem que prepondera, nos procedimentos de jurisdição voluntária, o princípio inquisitivo, podendo o juiz tomar decisões contra a vontade dos interessados. Ainda, pode o órgão jurisdicional adequar o processo e a sua decisão às peculiaridades da causa, sem ater-se à legalidade estrita (art. 1.109, CPC).
b) Possibilidade de decisão fundada em equidade (art. 1.109, CPC) – de acordo com esse dispositivo, pode o órgão jurisdicional, na jurisdição voluntária, não observar a legalidade estrita, decidindo de acordo com critérios de conveniência e oportunidade.
Do ponto de vista procedimental, há regras comuns (arts. 1.103 a 1.111) e especiais (art. 1.113 e seguintes). Instaura-se o processo por petição inicial, com atribuição de valor da causa; as despesas processuais, de acordo com o art. 24, CPC, são antecipadas pelo requerente e rateadas entre todos os interessados; os interessados têm o prazo de dez dias para se manifestarem (art. 1.106, CPC); o pedido será resolvido por sentença, que é apelável (art. 1.110, CPC).
Em todo procedimento de jurisdição voluntária, por força do art. 1.105, CPC, o Ministério Público deveria ser intimado. Contudo, prevalece o entendimento de que a intervenção do Ministério Público só deve ocorrer quando presentes as hipóteses do art. 82, CPC.
A jurisdição voluntária costuma ser jurisdição de natureza constitutiva.” Criam-se situações jurídicas novas, ou alteram-se situações jurídicas já existentes, extinguem-se situações jurídicas.
6.1 Classificação dos procedimentos de jurisdição voluntária (de Leonardo Greco)
a) Receptícios – a atividade jurisdicional limita-se a registrar, documentar ou comunicar manifestações de vontade. Ex.: notificações, interpelações e protestos.
b) Probatórios – a atividade judicial limita-se à produção da prova. Ex.: justificação.
c) Declaratórios – o magistrado limita-se a declarar a existência ou inexistência de uma situação jurídica, como nos casos da extinção do usufruto, confirmação do testamento particular, etc.
d) Constitutivos – são aqueles em que a criação, modificação ou extinção de uma situação jurídica dependem da concorrência da vontade do juiz, por meio de autorizações, homologações, aprovações, etc. Ex.: interdição, alvarás para venda de bens de incapazes, divórcio consensual, etc.
e) Executórios – o juiz é demandado a exercer uma atividade prática que modifica o mundo exterior. Ex.: alienação de coisas; arrecadação de bens de ausentes, etc.
f) Tutelares – são aqueles em que a proteção de interesses de determinadas pessoas que se encontram em situação de desamparo, como os incapazes, é confiada diretamente ao Poder Judiciário, que pode instaurar os procedimentos ex officio. Ex.: procedimentos do ECA.
6.2 A jurisdição voluntária como administração pública de interesses privados
Prevalece na doutrina brasileira a concepção de que a jurisdição voluntária não é jurisdição, mas administração pública de interesses privados, feita pelo Poder Judiciário.
Leonardo Greco informa que, para alguns autores, é possível falar em jurisdição voluntária judicial e jurisdição voluntária extrajudicial; numa judicial exercida por juízes e em outra exercida por serventuários da justiça.
O exercício dessas funções por órgãos estranhos ao Poder Judiciário retira o caráter jurisdicional: a) pelo aspecto subjetivo; b) pelo fato de a decisão não ser de última instância, uma vez que, por força do princípio da inafastabilidade, pode ser submetida ao controle do Poder Judiciário.
Partem da premissa de que a jurisdição voluntária não é jurisdição, porque não há lide a ser resolvida. Não haveria, também, substitutividade, pois o que acontece é que o magistrado se insere entre os participantes do negócio jurídico, não os substituindo. Porque não há lide, não há partes, só interessados; porque não há jurisdição, não seria correto falar de ação nem de processo, institutos correlatos à jurisdição; só haveria requerimento e procedimento. Porque não há jurisdição, não há coisa julgada, mas mera preclusão – fundam-se os doutrinadores, ainda, no art. 1.111, CPC, que afirma ser a sentença passível de modificação, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, se ocorrerem circunstâncias supervenientes.
6.3 A jurisdição voluntária como atividade jurisdicional
A segunda corrente, minoritária, embora defendida por Calmon de Passos, Ovídio Baptista e Leonardo Greco, que vem ganhando força, é a que confere à jurisdição voluntária a natureza de atividade jurisdicional.
Segundo ela, não se pode dizer que não há lide em jurisdição voluntária. O que acontece é que a jurisdição voluntária não pressupõe lide, a lide não precisa vir afirmada na petição inicial. Pouco importa, assim, que o interditando queira ser interditado; os casos de jurisdição voluntária são potencialmente conflituosos e por isso mesmo são submetidos à apreciação do Poder Judiciário. É por isso que se impõe a citação dos possíveis interessados, que podem, de fato, não opor qualquer resistência, mas não estão impedidos de fazê-lo. São frequentes os casos em que, em pleno domínio da jurisdição voluntária, surgem verdadeiras questões a demandar juízo do magistrado.
Em segundo lugar, a única definição possível de jurisdição se baseia em seu aspecto subjetivo: jurisdição é a atividade exercida por juízes, que aplicam o direito objetivo em última instância, dão a última palavra sobre a questão, proferindo decisão que não pode ser controlada por nenhuma outra função estatal. A jurisdição voluntária é, também, inevitável. Tudo isso acontece no âmbito da jurisdição voluntária.
Aqueles que defendem a natureza administrativa da jurisdição voluntária não podem, por coerência, negar a existência de um processo, ainda que administrativo. A jurisdição voluntária se exerce por meio de formas processuais, além do que não seria razoável defender-se a inexistência de relação jurídica entre os interessados e o juiz.
Em quarto lugar, na jurisdição voluntária o juiz atua para defender interesse privado, como terceiro imparcial. Enquanto a jurisdição voluntária é exercida por autoridade parcial e desinteressada, a administração age em seu próprio interesse, por isso não pode ter natureza meramente administrativa.
Em quinto lugar, se há processo e jurisdição, há ação, denominada por Pontes de Miranda de ação de jurisdição voluntária.
Em sexto lugar, não se pode dizer que não há partes. Não se devem confundir ações de parte em sentido substancial, que é a parte do litígio, com parte em sentido processual, que é o sujeito parcial da relação jurídica processual. A partir do momento em que o processo surge, a situação jurídica dos postulantes e dos interessados se altera, assumindo o status jurídico de parte, com todos os direitos e deveres dela decorrentes.
Por fim, quanto à coisa julgada, esta vem ratificada no art. 1.111, CPC, quando se afirma que tais decisões somente poderão ser modificadas por fato superveniente. Se nada mudar, a decisão tem de ser respeitada.
Nos casos de homologação judicial, o negócio jurídico é processualizado e somente pode ser desconstituído por ação rescisória, como reflexo da rescisão da sentença homologatória. Não é razoável dizer que um negócio jurídico formalizado em cartório tem a mesma estabilidade de outro que passou pelo crivo do órgão jurisdicional.
Ainda, é possível pedir a homologação de qualquer acordo extrajudicial no juízo competente. O procedimento para homologação do acordo extrajudicial é a jurisdição voluntária. Uma vez homologado, este acordo torna-se título executivo judicial. O acordo extrajudicial não homologado judicialmente pode ser considerado um título executivo extrajudicial, veja a diferença. A execução de título judicial não permite qualquer discussão; a cognição é limitada, exatamente porque se trata de uma execução de sentença (somente podem ser alegadas as matérias constantes no art. 475-L, posteriores ao negócio jurídico). A execução de título extrajudicial permite ao executado a alegação de qualquer matéria de defesa, sem limitação alguma (art. 745, CPC). Qual o fundamento para diferença de tratamento? A coisa julgada, atributo das decisões judiciais

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